Como
escritor, você aprendeu por experiência própria que o planejamento é essencial. Muitos passam anos construindo um
enredo magnífico, trabalhando em uma trama bem desenvolvida e até mesmo se
aventurando em criar um novo Universo.
A
verdade desconhecida por muitos escritores – amadores e até alguns profissionais
– é que não importa o quanto você tenha se dedicado ao planejamento de todos
esses fatores, se seus personagens não forem bem construídos, você não
alcançará o resultado que deseja e, muito provavelmente, sua história será tão
rasa quanto àquelas que não tiveram o mesmo carinho e dedicação que você
colocou no seu trabalho.
Por
isso: abra sua mente, pegue uma caneta e anote a aula de hoje.
Alice no País das Maravilhas; Lewis Carrol. |
O
Protagonista
Entre
todos os personagens, você escolheu este para ser o representante da sua jornada. Seja um herói ou anti-herói, saiba
que o protagonista é a porta de entrada
do leitor para o universo que você deseja mostrar. É Alice que nos leva ao País das Maravilhas, é Neo que nos leva
à Matrix e é através dos olhos de
Naruto que conhecemos Konoha.
Como
escritor, você tem o dever de conhecer
todas as facetas do seu protagonista. Seu passado, suas vontades e o que o
move a alcançar seus objetivos. Conheça o âmbito do personagem como conhece a
si mesmo e apenas assim saberá trabalhar com ele.
Lembre-se
que a estrutura de uma história é como uma casa e você é o arquiteto. Sua base
é o tema, seus pilares são os personagens e o resto de sua estrutura
concentra-se na história, na trama e no estilo que você escolheu para
trabalhar. Planeje tudo com dedicação e sua obra final será estável.
Simbologia do Yin e Yang; equilíbrio entre a dualidade que existe em tudo no universo, inclusive, o homem. |
Personalidade
A
personalidade de um indivíduo é avaliada como suas reações mecânicas em diferentes circustâncias. É,
resumidamente, a resposta instintiva que
cada pessoa tem quando exposta a diferentes situações emocionais que variam
conforme o meio em que ela está inserida e sua experiência única de vida.
Um
ser humano possui nuances emocionais e isto deve servir como base para
construir a personalidade de seu personagem. Deve – sim, é um dever – existir
complexidade emocional. Nenhum
personagem pode ser somente bom ou ruim, já que nenhum de nós tem apenas a
bondade ou maldade em nossos corações.
Quebre
a estrutura clássica do vilão contra herói! Somos pessoas cinzentas por natureza, agimos
conforme nossas convicções, crenças, criação e emoção. Depois de conhecer a
fundo a personalidade de seu personagem, pergunte-se a si mesmo: “o que ele faria ou falaria nessa situação?”. E dedique-se em escrever cada reação
com fidelidade à personalidade que você escolheu criar ou abraçar para seu
protagonista.
Se
você ainda é um iniciante ou possui alguma dificuldade em entender seu próprio
personagem ou o personagem de outro – como no caso de uma fanfic – separei sete perguntas essenciais que você deve
fazer a si mesmo enquanto estiver escrevendo:
1
– Qual a fraqueza moral do seu protagonista?
(Em relação ao tema.
Digamos, por exemplo, que escolha trabalhar com racismo. De acordo com isso,
qual a fraqueza do seu personagem? Ele é racista ou ele deseja acabar com o
racismo numa sociedade segregada?)
2
– O que o personagem quer?
(Quais são os desejos
do seu personagem? As metas iniciais de sua vida, seus objetivos futuros, etc.)
3
– Por que o personagem quer?
(Continuemos com o
racismo: por que ele acha que deve acabar com isso? Ou, por que ele defende a
diferenciação entre raças?)
4
– O que o personagem precisa?
(Muitas vezes, o
personagem acha que precisa realizar algo, mas não é necessariamente o que é
bom para ele. Esta pergunta está relacionada ao que o escritor e o leitor
desejam para o protagonista ou temem que aconteça com ele.)
5
– Qual o fantasma que o assombra?
(O que aconteceu no
passado do seu personagem que criou a fraqueza moral dele? Aconteceu, por
exemplo, algum trauma na infância?)
6
– Qual o risco emocional que seu personagem corre com essa jornada?
(Pelo que o seu
personagem morreria? O que o aterroriza? O que ele pode perder se não atingir
seus objetivos? Digamos que seu personagem é um homem branco apaixonado por uma
mulher negra, este é um risco emocional em uma sociedade racista e é por isso
que ele precisa tentar combatê-lo.)
7
– Quais características do seu protagonista causam empatia no leitor?
(Se o seu personagem é
um anti-herói, por exemplo, mesmo com tantas falhas de caráter, ele deve ter
alguma característica que faça com que o leitor torça por ele. Qual seria?)
Você
conseguiu responder todas essas perguntas sem problema? Parabéns, você conhece
seu personagem suficientemente bem para passar para a próxima etapa. Não conseguiu?
Não se preocupe, planeje com mais atenção e retorne para responder mais tarde.
Tiana, protagonista e princesa de um dos filmes da
Disney, no entanto, também é, graças a ela, que ve-
mos a mudança de Naveen, seu par romântico e prín-
cipe da Maldonia.
|
Arco
de Personagem – A Jornada Emocional
Somos seres mutáveis e complexos.
Nossas
experiências de vida alteram constantemente
nosso pensamento e a forma como agimos. Quando éramos crianças, nossa visão de
mundo era limitada e nossas reações em certas situações condiziam com nossa
incapacidade de compreender os acontecimentos que nos rodeavam. Quando adultos,
olhamos para trás e nos surpreendemos com nossa imaturidade e com o quanto
mudamos.
A
capacidade de seu protagonista mudar sua falha emocional através das
experiências e obstáculos em sua Jornada é chamada de “Arco de Personagem”. Quando o escritor cria conflitos internos e externos a fim de manipular os medos e
desejos de seu protagonista, ele também deve entender que seu personagem
adquiriu aprendizados e, por sua vez, eles devem alterar o modo como ele vê o
mundo e a si mesmo.
Continuemos
com o exemplo de um homem branco apaixonado por uma mulher negra. Digamos que,
inicialmente, você nos apresenta o protagonista como alguém egocêntrico e
alheio aos problemas do mundo, o obstáculo que você decidiu criar para ele é
introduzir esta mulher em sua vida. A preocupação que ele adquire aos poucos e
a vontade de combater o racismo da sociedade é uma transformação emocional e isso é o Arco de Personagem.
Lembre-se
que a Jornada Emocional de seu
protagonista deve estar diretamente ligada com sua Jornada Física
(literalmente, mudar de um ponto A para um ponto B). Deixarei aqui algumas perguntas
que irão facilitar o desenvolvimento na Jornada Emocional de seu protagonista.
1
– Qual o Status Quo emocional e
físico de seu protagonista?
(Status Quo: “no estado em que as coisas estavam antes” - seria como
você introduz seu personagem ao leitor. Emocional – quem ele é antes de sua
jornada iniciar? Físico – onde ele mora?).
2
– Por que ele aceita a “Chamada para Aventura”?
(O que motivou seu
protagonista a sair de seu Status Quo e partir para o Novo Mundo? Em “Matrix”,
Neo desejava descobrir a verdade sobre o mundo que vivia. Em “Senhor dos Anéis”,
Frodo acreditou ser o único capaz de destruir o anel. Em “Naruto”, o
protagonista viu a oportunidade em ser reconhecido a partir da provação do
próprio).
3
– Como o Novo Mundo desafiará a falha moral de seu personagem?
(Neo é um hacker sem
auto-estima e, no Mundo Real, ele precisa acreditar que é o Escolhido. Naruto é
um menino impulsivo e imaturo; no Mundo Ninja, ele precisa planejar e trabalhar
em equipe. Frodo é apenas um hobbit sem coragem suficiente para se aventurar;
na Terra Média, ele precisa encontrar forças dentro de si para tornar-se um
herói).
4
– Quais conflitos internos e externos você criará para seu protagonista?
(Conflitos internos
trabalham com a falha emocional do protagonista enquanto os externos estão
relacionados a sua Jornada Física).
5
– Qual o resultado emocional de seu protagonista no fim de sua Jornada?
(Ele se transformou em
alguém melhor ou pior? Conseguiu conquistar seus objetivos? Em sua opinião, o
resultado foi negativo ou positivo – sempre referente ao tema?).
Luffy e os seus sete companheiros de viagem; simbologia a partir do número de personagens. |
O
Grande Oito
Em
seu conceito de “Jornada do Herói”, Joseph Campbell nomeia oito personagens que constantemente aparecem em uma história. É importante para qualquer escritor saber
nomear, diferenciar e entender os diferentes personagens em sua narrativa.
Observação: a nomenclatura dos
personagens pode variar de acordo com a preferência da pessoa, mas a essência é
a mesma.
O Herói/Protagonista – É
o personagem que sofre mudanças emocionais constantemente ao decorrer da
história. É ele que responde à Chamada para Aventura e é desafiado psicológica
e fisicamente em toda sua Jornada.
Exemplos:
Luffy,
Naruto, Harry Potter, Dorothy.
O Mentor – É
aquele que fornece conhecimento e sabedoria ao protagonista. Prepara o herói
através de treinamento físico, motivação e inspiração. O Mentor já foi um
simples herói, mas adquiriu grande experiência e sabedoria e tornou-se um
mestre.
Exemplos:
Mestre Yoda, Dumbledore, Jiraya.
O Guardião da Fronteira
– Protege o limiar entre o Mundo Comum e o Novo Mundo, testando as habilidades
e o merecimento do protagonista, pode aparecer em qualquer momento da história,
sua mensagem principal é: “vá para casa e esqueça esta missão”. Este personagem
também pode ser o Mentor.
Exemplos:
A Porta Falante de Alice no País das Maravilhas, Heimdall de Thor, a Grande
Ponte Naruto.
O Mensageiro – Pode
ser uma pessoa ou um evento. É aquele que anuncia um desafio, mudanças e presságios.
É ele que irá influenciar o protagonista a começar sua jornada.
Exemplos:
Effie
de Jogos Vorazes, O convite do baile em Cinderella, Exame Chunnin.
A Sombra/ O Antagonista: Nem
sempre é um personagem ruim. Eles existem para criar conflito e ameaça na vida
do protagonista. São o “espelho” da personalidade do herói e representam tudo o
que ele teme e deseja, mostrando para o leitor a pessoa que o heroi poderia se
tornar caso falhasse à tentação do lado negro.
Exemplos:
Darth
Vader, Sauron, Voldemort, Obito, Nagato.
(Em
Naruto, o que não faltam são antagonistas, pois essa é uma história sem base
para vilões já que todos possuem uma base de apoio entre o bem e o mal, com
exceção da personagem Otsutsuki Kaguya, que não possuiu uma base para a sua
bondade como a personagem de Harry Potter, Dolores Umbridge)
O Aliado/ Secundário de Apoio – Preenche
o vazio do protagonista. É ele que incentiva o herói a continuar sua jornada, é
o “braço direito” que o acompanha em sua aventura.
Exemplos:
Sakura,
Hinata, Sam de Senhor dos Anéis, Hermione e Rony.
O Coringa/Trickster – É
o personagem que vive através do caos, do engraçado e do absurdo. Desafia o
herói apenas para observar o Status Quo sendo alterado.
Exemplos:
Merry e Pipin de Senhor dos Anéis, Dobby de Harry Potter, O Coringa do Batman,
Zetsu.
ShapeShifter – “Aquele
que muda de forma”. É o personagem que você não sabe exatamente se é amigo ou
inimigo. Normalmente começam como amigos e acabam traindo o herói ou seu grupo
no momento em que eles mais precisam.
São personagens que
agem nas sombras e ativam o modo alerta de seu protagonista.
Exemplos:
Gollum de Senhor dos Anéis, Gilderoy Lockhart de Harry Potter, Orochimaru,
Kabuto.
Se
você sentiu falta do vilão da história, eu explico: seu “vilão” pode estar entre os Oito, a nomenclatura por si só é um
tanto ultrapassada e rasa (pois os personagens feitos dessa maneira, não são
capazes de trazer espanto, ou melhor, não são capazes de cativar, vide os
exemplos citados acima). Assim como seu
protagonista, o “vilão” possui uma história, medos e desejos que sempre
explicam suas reações, emoções e personalidade.
Estude-o com a mesma intensidade
que estuda seu protagonista.
Princesa Mononoke, personagem de Hayao Miyazaki do Estúdio Ghibli. |
Ficha
Técnica de Personagem
Um
problema que, pessoalmente, eu enfrento é ter que voltar um capítulo ou outro e
lembrar-me de personagens que apareceram uma vez só. Essa ficha sempre me ajuda
a lembrar alguns detalhes sobre personagens secundários ou terciários. Mas você
pode usar tanto para seu protagonista como para seu antagonista, fique à
vontade para usá-la e espero que sirva de ajuda!
A propósito, a partir de uma pesquisa própria, há uma gama de possibilidades de fichas que vocês podem encontrar, das mais simplórias as mais complexas (depende do trabalho que deseja fazer). O importante de criar uma ficha é para que você não se perca no seu processo criativo, ainda mais, é uma maneira organizada de manter o seu trabalho e fazer o seu melhor.
Nome:
Idade:
Aparência
Física:
Estilo
de Vestimenta:
Ocupação/Trabalho:
Nível
Educacional:
Status
de Relacionamento/Vida Amorosa:
Família:
Hobbies/Interesses:
Talentos/Habilidades:
Nacionalidade/Etnia:
Personalidade:
Crenças
Religiosas e Políticas:
Filosofia
de Vida/Atitude:
Sonhos/Aspirações/Desejos:
Maiores
medos:
Segredos
Importantes:
Memória
de infância (feliz ou triste):
Principal
falha de caráter/defeito:
Como
a falha de caráter de seu protagonita influência a vida dele:
Informações
adicionais:
Escrever
dicas tão resumidas é quase tão desafiador quanto construir um bom personagem.
Espero ter conseguido ajudar e facilitar a vida dos membros da Escritorinhas e
Leitorinhas! Boa sorte! ☺
Att, Lady Alice.
Adorei o artigo. Realmente, se um escritor mesmo que iniciante focar em todos esses elementos: dará riqueza em detalhes, um bom entendimento e um ótimo desfecho na história. Resumindo será uma aventura ler.
ResponderExcluir*Sou uma escritora amadora... posso te garantir que esse artigo me deu ótimas dicas. Obrigado!
Att. Geisiana C. Souza.
O artigo foi de grande ajuda. Embora já tenha um tempo que eu escrevo, tenho grandes dificuldades com as personagens. E você explicou tão bem, estava perfeitamente entendível.
ResponderExcluirObrigada :3