sábado, 29 de agosto de 2015

Enredo: Construção de Personagem




Como escritor, você aprendeu por experiência própria que o planejamento é essencial. Muitos passam anos construindo um enredo magnífico, trabalhando em uma trama bem desenvolvida e até mesmo se aventurando em criar um novo Universo.

A verdade desconhecida por muitos escritores – amadores e até alguns profissionais – é que não importa o quanto você tenha se dedicado ao planejamento de todos esses fatores, se seus personagens não forem bem construídos, você não alcançará o resultado que deseja e, muito provavelmente, sua história será tão rasa quanto àquelas que não tiveram o mesmo carinho e dedicação que você colocou no seu trabalho.

Por isso: abra sua mente, pegue uma caneta e anote a aula de hoje. 



Alice no País das Maravilhas; Lewis Carrol.
O Protagonista

Entre todos os personagens, você escolheu este para ser o representante da sua jornada. Seja um herói ou anti-herói, saiba que o protagonista é a porta de entrada do leitor para o universo que você deseja mostrar. É Alice que nos leva ao País das Maravilhas, é Neo que nos leva à Matrix e é através dos olhos de Naruto que conhecemos Konoha.

Como escritor, você tem o dever de conhecer todas as facetas do seu protagonista. Seu passado, suas vontades e o que o move a alcançar seus objetivos. Conheça o âmbito do personagem como conhece a si mesmo e apenas assim saberá trabalhar com ele.

Lembre-se que a estrutura de uma história é como uma casa e você é o arquiteto. Sua base é o tema, seus pilares são os personagens e o resto de sua estrutura concentra-se na história, na trama e no estilo que você escolheu para trabalhar. Planeje tudo com dedicação e sua obra final será estável.



Simbologia do Yin e Yang; equilíbrio entre a dualidade
que existe em tudo no universo, inclusive, o homem.
Personalidade

A personalidade de um indivíduo é avaliada como suas reações mecânicas em diferentes circustâncias. É, resumidamente, a resposta instintiva que cada pessoa tem quando exposta a diferentes situações emocionais que variam conforme o meio em que ela está inserida e sua experiência única de vida.

Um ser humano possui nuances emocionais e isto deve servir como base para construir a personalidade de seu personagem. Deve – sim, é um dever – existir complexidade emocional. Nenhum personagem pode ser somente bom ou ruim, já que nenhum de nós tem apenas a bondade ou maldade em nossos corações.

Quebre a estrutura clássica do vilão contra herói! Somos pessoas cinzentas por natureza, agimos conforme nossas convicções, crenças, criação e emoção. Depois de conhecer a fundo a personalidade de seu personagem, pergunte-se a si mesmo: “o que ele faria ou falaria nessa situação?”. E dedique-se em escrever cada reação com fidelidade à personalidade que você escolheu criar ou abraçar para seu protagonista.

Se você ainda é um iniciante ou possui alguma dificuldade em entender seu próprio personagem ou o personagem de outro – como no caso de uma fanfic – separei sete perguntas essenciais que você deve fazer a si mesmo enquanto estiver escrevendo:


1 – Qual a fraqueza moral do seu protagonista?

(Em relação ao tema. Digamos, por exemplo, que escolha trabalhar com racismo. De acordo com isso, qual a fraqueza do seu personagem? Ele é racista ou ele deseja acabar com o racismo numa sociedade segregada?)

2 – O que o personagem quer?

(Quais são os desejos do seu personagem? As metas iniciais de sua vida, seus objetivos futuros, etc.)

3 – Por que o personagem quer?

(Continuemos com o racismo: por que ele acha que deve acabar com isso? Ou, por que ele defende a diferenciação entre raças?)

4 – O que o personagem precisa?

(Muitas vezes, o personagem acha que precisa realizar algo, mas não é necessariamente o que é bom para ele. Esta pergunta está relacionada ao que o escritor e o leitor desejam para o protagonista ou temem que aconteça com ele.)

5 – Qual o fantasma que o assombra?

(O que aconteceu no passado do seu personagem que criou a fraqueza moral dele? Aconteceu, por exemplo, algum trauma na infância?)

6 – Qual o risco emocional que seu personagem corre com essa jornada?

(Pelo que o seu personagem morreria? O que o aterroriza? O que ele pode perder se não atingir seus objetivos? Digamos que seu personagem é um homem branco apaixonado por uma mulher negra, este é um risco emocional em uma sociedade racista e é por isso que ele precisa tentar combatê-lo.)

7 – Quais características do seu protagonista causam empatia no leitor?

(Se o seu personagem é um anti-herói, por exemplo, mesmo com tantas falhas de caráter, ele deve ter alguma característica que faça com que o leitor torça por ele. Qual seria?)


Você conseguiu responder todas essas perguntas sem problema? Parabéns, você conhece seu personagem suficientemente bem para passar para a próxima etapa. Não conseguiu? Não se preocupe, planeje com mais atenção e retorne para responder mais tarde.


Tiana, protagonista e princesa de um dos filmes da
Disney, no entanto, também é, graças a ela, que ve-
mos a mudança de Naveen, seu par romântico e prín-
cipe da Maldonia.
 Arco de Personagem – A Jornada Emocional

Somos seres mutáveis e complexos.

Nossas experiências de vida alteram constantemente nosso pensamento e a forma como agimos. Quando éramos crianças, nossa visão de mundo era limitada e nossas reações em certas situações condiziam com nossa incapacidade de compreender os acontecimentos que nos rodeavam. Quando adultos, olhamos para trás e nos surpreendemos com nossa imaturidade e com o quanto mudamos.

A capacidade de seu protagonista mudar sua falha emocional através das experiências e obstáculos em sua Jornada é chamada de “Arco de Personagem”. Quando o escritor cria conflitos internos e externos a fim de manipular os medos e desejos de seu protagonista, ele também deve entender que seu personagem adquiriu aprendizados e, por sua vez, eles devem alterar o modo como ele vê o mundo e a si mesmo.

Continuemos com o exemplo de um homem branco apaixonado por uma mulher negra. Digamos que, inicialmente, você nos apresenta o protagonista como alguém egocêntrico e alheio aos problemas do mundo, o obstáculo que você decidiu criar para ele é introduzir esta mulher em sua vida. A preocupação que ele adquire aos poucos e a vontade de combater o racismo da sociedade é uma transformação emocional e isso é o Arco de Personagem.

Lembre-se que a Jornada Emocional de seu protagonista deve estar diretamente ligada com sua Jornada Física (literalmente, mudar de um ponto A para um ponto B). Deixarei aqui algumas perguntas que irão facilitar o desenvolvimento na Jornada Emocional de seu protagonista. 


1 – Qual o Status Quo emocional e físico de seu protagonista?

(Status Quo: “no estado em que as coisas estavam antes” - seria como você introduz seu personagem ao leitor. Emocional – quem ele é antes de sua jornada iniciar? Físico – onde ele mora?).

2 – Por que ele aceita a “Chamada para Aventura”?

(O que motivou seu protagonista a sair de seu Status Quo e partir para o Novo Mundo? Em “Matrix”, Neo desejava descobrir a verdade sobre o mundo que vivia. Em “Senhor dos Anéis”, Frodo acreditou ser o único capaz de destruir o anel. Em “Naruto”, o protagonista viu a oportunidade em ser reconhecido a partir da provação do próprio).

3 – Como o Novo Mundo desafiará a falha moral de seu personagem?

(Neo é um hacker sem auto-estima e, no Mundo Real, ele precisa acreditar que é o Escolhido. Naruto é um menino impulsivo e imaturo; no Mundo Ninja, ele precisa planejar e trabalhar em equipe. Frodo é apenas um hobbit sem coragem suficiente para se aventurar; na Terra Média, ele precisa encontrar forças dentro de si para tornar-se um herói).

4 – Quais conflitos internos e externos você criará para seu protagonista?

(Conflitos internos trabalham com a falha emocional do protagonista enquanto os externos estão relacionados a sua Jornada Física).

5 – Qual o resultado emocional de seu protagonista no fim de sua Jornada?

(Ele se transformou em alguém melhor ou pior? Conseguiu conquistar seus objetivos? Em sua opinião, o resultado foi negativo ou positivo – sempre referente ao tema?).

Representação em gráfico do Arco do Personagem da New York Academy.



Luffy e os seus sete companheiros de viagem; simbologia
a partir do número de personagens.
 O Grande Oito

Em seu conceito de “Jornada do Herói”, Joseph Campbell nomeia oito personagens que constantemente aparecem em uma história. É importante para qualquer escritor saber nomear, diferenciar e entender os diferentes personagens em sua narrativa.

Observação: a nomenclatura dos personagens pode variar de acordo com a preferência da pessoa, mas a essência é a mesma.


O Herói/Protagonista – É o personagem que sofre mudanças emocionais constantemente ao decorrer da história. É ele que responde à Chamada para Aventura e é desafiado psicológica e fisicamente em toda sua Jornada.

Exemplos: Luffy, Naruto, Harry Potter, Dorothy.

O Mentor – É aquele que fornece conhecimento e sabedoria ao protagonista. Prepara o herói através de treinamento físico, motivação e inspiração. O Mentor já foi um simples herói, mas adquiriu grande experiência e sabedoria e tornou-se um mestre.

Exemplos: Mestre Yoda, Dumbledore, Jiraya.

O Guardião da Fronteira – Protege o limiar entre o Mundo Comum e o Novo Mundo, testando as habilidades e o merecimento do protagonista, pode aparecer em qualquer momento da história, sua mensagem principal é: “vá para casa e esqueça esta missão”. Este personagem também pode ser o Mentor.

Exemplos: A Porta Falante de Alice no País das Maravilhas, Heimdall de Thor, a Grande Ponte Naruto.

O Mensageiro – Pode ser uma pessoa ou um evento. É aquele que anuncia um desafio, mudanças e presságios. É ele que irá influenciar o protagonista a começar sua jornada.

Exemplos: Effie de Jogos Vorazes, O convite do baile em Cinderella, Exame Chunnin.

A Sombra/ O Antagonista: Nem sempre é um personagem ruim. Eles existem para criar conflito e ameaça na vida do protagonista. São o “espelho” da personalidade do herói e representam tudo o que ele teme e deseja, mostrando para o leitor a pessoa que o heroi poderia se tornar caso falhasse à tentação do lado negro.

Exemplos: Darth Vader, Sauron, Voldemort, Obito, Nagato.
(Em Naruto, o que não faltam são antagonistas, pois essa é uma história sem base para vilões já que todos possuem uma base de apoio entre o bem e o mal, com exceção da personagem Otsutsuki Kaguya, que não possuiu uma base para a sua bondade como a personagem de Harry Potter, Dolores Umbridge)

O Aliado/ Secundário de Apoio – Preenche o vazio do protagonista. É ele que incentiva o herói a continuar sua jornada, é o “braço direito” que o acompanha em sua aventura.

Exemplos: Sakura, Hinata, Sam de Senhor dos Anéis, Hermione e Rony.

O Coringa/Trickster – É o personagem que vive através do caos, do engraçado e do absurdo. Desafia o herói apenas para observar o Status Quo sendo alterado.

Exemplos: Merry e Pipin de Senhor dos Anéis, Dobby de Harry Potter, O Coringa do Batman, Zetsu.

ShapeShifter – “Aquele que muda de forma”. É o personagem que você não sabe exatamente se é amigo ou inimigo. Normalmente começam como amigos e acabam traindo o herói ou seu grupo no momento em que eles mais precisam.
São personagens que agem nas sombras e ativam o modo alerta de seu protagonista.

Exemplos: Gollum de Senhor dos Anéis, Gilderoy Lockhart de Harry Potter, Orochimaru, Kabuto.



Se você sentiu falta do vilão da história, eu explico: seu “vilão” pode estar entre os Oito, a nomenclatura por si só é um tanto ultrapassada e rasa (pois os personagens feitos dessa maneira, não são capazes de trazer espanto, ou melhor, não são capazes de cativar, vide os exemplos citados acima). Assim como seu protagonista, o “vilão” possui uma história, medos e desejos que sempre explicam suas reações, emoções e personalidade.

Estude-o com a mesma intensidade que estuda seu protagonista.


Princesa Mononoke, personagem de Hayao Miyazaki do
Estúdio Ghibli.
Ficha Técnica de Personagem

Um problema que, pessoalmente, eu enfrento é ter que voltar um capítulo ou outro e lembrar-me de personagens que apareceram uma vez só. Essa ficha sempre me ajuda a lembrar alguns detalhes sobre personagens secundários ou terciários. Mas você pode usar tanto para seu protagonista como para seu antagonista, fique à vontade para usá-la e espero que sirva de ajuda!

A propósito, a partir de uma pesquisa própria, há uma gama de possibilidades de fichas que vocês podem encontrar, das mais simplórias as mais complexas (depende do trabalho que deseja fazer). O importante de criar uma ficha é para que você não se perca no seu processo criativo, ainda mais, é uma maneira organizada de manter o seu trabalho e fazer o seu melhor. 




Nome:
Idade:
Aparência Física:
Estilo de Vestimenta:
Ocupação/Trabalho:
Nível Educacional:
Status de Relacionamento/Vida Amorosa:
Família:
Hobbies/Interesses:
Talentos/Habilidades:
Nacionalidade/Etnia:
Personalidade:
Crenças Religiosas e Políticas:
Filosofia de Vida/Atitude:
Sonhos/Aspirações/Desejos:
Maiores medos:
Segredos Importantes:
Memória de infância (feliz ou triste):
Principal falha de caráter/defeito:
Como a falha de caráter de seu protagonita influência a vida dele:
Informações adicionais:


Escrever dicas tão resumidas é quase tão desafiador quanto construir um bom personagem. Espero ter conseguido ajudar e facilitar a vida dos membros da Escritorinhas e Leitorinhas! Boa sorte! ☺


Att, Lady Alice. 


2 comentários:

  1. Adorei o artigo. Realmente, se um escritor mesmo que iniciante focar em todos esses elementos: dará riqueza em detalhes, um bom entendimento e um ótimo desfecho na história. Resumindo será uma aventura ler.

    *Sou uma escritora amadora... posso te garantir que esse artigo me deu ótimas dicas. Obrigado!

    Att. Geisiana C. Souza.

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  2. O artigo foi de grande ajuda. Embora já tenha um tempo que eu escrevo, tenho grandes dificuldades com as personagens. E você explicou tão bem, estava perfeitamente entendível.


    Obrigada :3

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